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Este título possui duas menções muito recentes as quais me referirei mais tarde. Começo, porém, com um magnífico retrato de Dom Francisco de Arobe e seus dois filhos, Dom Pedro e Dom Domingo, da comunidade costeira de Esmeraldas, atual Equador, que pertence ao Museu do Prado, em Madri (Fig. 1). Para os espanhóis, a identidade da pessoa retratada e do artista não são os significantes indexados da obra, embora os nomes dos modelos e do artista estejam claramente inscritos na pintura. Raça é o índice significante contemporâneo deste retrato. A obra é muitas vezes intitulada Los Mulatos de Esmeraldas [Os mulatos de Esmeraldas], mesmo em ensaios e exposições nas quais o acadêmico ou curador nomeia o sujeito representado e o pintor. Ao contrário de qualquer outro retrato do século XVI na coleção do Prado, para o qual o sujeito é claramente identificado, aqui a raça é o elemento pictórico determinante que marca o sujeito da pintura para o espectador.

Figura 1 Figura 1 Legenda

Andrés Sánches Gallque. Retrato de Dom Francisco e seus filhos Dom Pedro e Domingo, óleo sobre tela, Museu do Prado emprestado ao Museu das Américas, Madri.

Ou seja, as identidades daqueles que foram pintados, quem pintou e quem o encomendou estão todas inscritas na própria pintura, mas não são consideradas como fundamentais. No entanto, sabemos que foi pintado e assinado por Andrés Sánches Gallque, pintor equatoriano, em 1599 e comissionado por Juan de Sepúlveda y Barrio de Audiencia, em Quito. Ele o encomendara para ser enviado a Filipe III, e foi recebido em Madri. O retrato assinado é de três indivíduos nomeados, assim como os retratos assinados de Ticiano são de indivíduos nomeados. O retrato de Dom Francisco e seus filhos foi exposto no palácio, assim como outros retratos de incas pintados por artistas nativos de Cuzco, e os retratos de Carlos V e Filipe II pintados por um artista veneziano. Eu e outros autores escrevemos sobre este fascinante retrato de Dom Francisco e seus filhos e sua história, nomes e significados podem ser encontrados nessas publicações (CUMMINS, 2013, p. 118-145). O importante para este ensaio é o fato de que esta pintura é uma das obras mais requisitadas e exibidas internacionalmente daquelas incluídas em coleções espanholas; e um detalhe ampliado de Dom Pedro é a imagem-chave que recebe os visitantes à exposição de 2021-2022 no Museu do Prado intitulada Tornaviaje. A reprodução ampliada é cuidadosamente recortada para eliminar seu nome (Fig. 2). Retornarei, portanto, à sua mais recente coleção e história de exposições dos séculos XIX, XX e XXI, pois demonstram um claro conjunto de posições neocoloniais e racistas no âmbito da história espanhola moderna e seu ressurgimento na política cultural espanhola contemporânea.

Figura 2 Figura 2 Legenda

Andrés Sánches Gallque. Detalhe do Retrato de Dom Francisco, Dom Pedro e Dom Domingo, foto ampliada na entrada da exposição do Prado Torna Viaje, 2021, Foto: Alejandro de la Fuente.

Para entendermos o contexto mais amplo, recorro à exposição da artista contemporânea peruana Sandra Gamarra, inaugurada em uma galeria madrilenha em 16 de setembro de 2021 (Fig. 3) (WEINER, 2021a). Sandra Gamarra é uma artista multimídia internacional e altamente respeitada, que expôs na Bienal de Berlim, na 29ª Bienal de São Paulo, no Pavilhão Instituto Ítalo-Latino Americano (IILA), na 53ª Bienal de Veneza, na XI Bienal de Cuenca. Suas obras já foram expostas no MACBA (Barcelona, Espanha), na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando (Madri, Espanha), no MUSAC (León, Espanha), no Museu de Arte Contemporânea de Lima (Lima, Peru), no Contemporary Art Museum em Tokyo (Japão) e no Tate Modern (Londres). Em Madri, ela criou a instalação intitulada Buen Gobierno na Sala Alcalá 31, um espaço que pertence à cidade. Sua instalação ocorreu dentro da celebração Hispanidad 2021. Voltarei à história política do conceito espanhol de Hispanidad no final deste ensaio. No entanto, à medida que o mundo parece se mover em direção a duas posições políticas antitéticas – neofascismo/autoritarismo/demagogia e decolonização/democracia/pensamento crítico e expressão – seja nos Estados Unidos, Brasil, Peru, Inglaterra, Itália e Espanha, para dar exemplos óbvios e expressivos, Hispanidad é um termo histórico que possui extraordinária bagagem racista que a extrema-direita se regozija em carregar.

Figura 3 Figura 3 Legenda

Anúncio de Abertura do Buen Gobierno por Sandra Gamarra, 16 de setembro de 2021.

A frase Buen Gobierno [Bom Governo] é conhecida da maioria dos peruanos. Ela faz parte do título do manuscrito ilustrado, criado pelo autor andino Dom Felipe Guaman Poma de Ayala, finalizado em 1615 e enviado a Filipe III (Fig. 4 a, b).

Figura 4 a & b Figura 4 a & b Legenda

Guaman Poma de Ayala. Frontispício com os retratos do Papa Paulo V, Rei Felipe II e Príncipe Felipe Guaman Poma de Ayala, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 1.

Guaman Poma de Ayala. Pergunte a Vossa Majestade, o autor, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 971 (965).

Gamarra nomeia sua exposição com as palavras que figuram no frontispício do manuscrito, estampada com o título El primer nueva coronica i buen gobierno. Aqui vemos também os retratos do Papa, do Rei da Espanha e do autor acompanhados de seus brasões, os quais formam o eixo vertical central da composição. Um desenho posterior importante para se compreender a intenção do autor do manuscrito retrata seu encontro imaginado com Felipe III. Um autorretrato de Guaman Poma ajoelhado diante do rei com seu manuscrito aberto enquanto gesticula com seu dedo indicador direito apontando para cima. Este gesto é uma figura dêitica comumente desenhada na margem de manuscrito ou livro, indicando a importância de uma determinada passagem para o leitor. Aqui ela enfatiza a importância da criação de um diálogo íntimo, Felipe III inquirindo e a resposta de Guaman Poma. Escrito abaixo do desenho, Guaman Poma se identifica como o autor e diz que apresentou pessoalmente a Coronica à sua majestade. O manuscrito, e não o autor, chegou a Madri. Ele provavelmente nunca foi realmente lido por muitos, se chegou a ser lido, mas certamente não por Felipe III. Eventualmente, foi dado como presente e terminou na biblioteca real dinamarquesa, onde permaneceu sem ser estudado até o século XX. Desde então, tornou-se parte essencial da consciência social e política peruana, em parte porque o autor andino descreve – textualmente e imageticamente – os abusos espanhóis, começando pelo regicídio dos líderes incas Atahualpa e Tupac Amaru, como podemos ver no desenho de sua decapitação selvagem por Guaman Poma(Fig. 5a & b).

Figura 5 a Figura 5 a Legenda

Guaman Poma de Ayala. Execução de Atahualpa em Cajamaraca por Pizarro e outros, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 390 (391).

Figura 5 b Figura 5 b Legenda

Guaman Poma de Ayala. Execução de Manco Capaca pelo vice-rei Toledo em Cajamaraca em Cuzco, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 453 (385).

As imagens continuam e retratam as diferentes guerras civis que assolaram o novo vice-reino, assim como o governo, o comércio, a educação e a evangelização vice-real. Mas todas essas categorias estão intercaladas por imagens de violência colonial contra andinos e africanos. Como se pode ver em um desenho, o Corregidor ordena a punição do curaca ou líder da comunidade por não produzir as galinhas que haviam sido exigidas, colocando-o no tronco (Fig. 6).

Figura 6 Figura 6 Legenda

Guaman Poma de Ayala. Corregidor mantem Don Cristobal, curaca e um prisioneiro, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 494 (385).

Corregidores, encomenderos e padres são vistos na mesma luz disciplinar violenta, chicoteando os corpos nus de adultos e crianças ou pendurando outros numapicota (pau a prumo colocado na praça), bem como praticando outros atos cruéis e violentos contra os povos andinos (Fig. 7a, b, c)

Figura 7 a Figura 7 a Legenda

Gaman Poma de Ayala. Atahualpa em Cajamaraca com Pizarro e tradutor Felipe, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 384 (385).

Figura 7 b Figura 7 b Legenda

Gaman Poma de Ayala. Atahualpa em Cajamaraca com Pizarro e tradutor Felipe, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 384 (385).

Figura 7 c Figura 7 c Legenda

Gaman Poma de Ayala. Atahualpa em Cajamaraca com Pizarro e tradutor Felipe, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 384 (385).

Finalmente, vemos os componentes raciais da hierarquia colonial representados: um espanhol espanca um andino, um africano escravizado chicoteia um andino a mando do Corregidor, um casal espanhol pune seus escravizados/servos africanos. Desse ponto de vista político andino, os abusos do governo e do povo espanhol são intoleráveis. Guaman Poma afirma que os andinos sempre foram cristãos e que haviam aceito o governo do rei espanhol, portanto deveriam ser deixados a governar sob a proteção do rei e de uma Igreja misericordiosa que seria supervisionada por eles (Figura 8 a, b e c).

Figura 8 a, b & c Figura 8 a, b & c Legenda

Guaman Poma de Ayala “Um paroquiano nativo é espancado até a morte por defender mulheres e donzelas andinas solteiras do padre lascivo”, Nueva Coronica y Buen Gobierno 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 594 (608) ); “O administrador real ordena que um escravo africano açoite um magistrado indiano por coletar um tributo que falta dois ovos”, Nueva Coronica y Buen Gobierno 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 796 (810) ; “Como os espanhóis abusam de seus escravos africanos” Nueva Coronica y Buen Gobierno 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 925 (939).

Isso, é claro, nunca iria acontecer. Assim, a instalação de Sandra Gamarra retoma esse tema histórico com uma variedade de imagens diferentes, como “Cuando las papas queman”, na qual a foto de uma batata, o maior presente andino para a nutrição do mundo, é sobreposta a uma cópia dos desenhos de Guaman Poma (Fig. 9). O significado preciso da expressão é ambíguo, intencionalmente suponho. Pode significar “quando o bicho pega”, “quando a coisa fica feia”, ou “estar em risco”. Tudo depende do contexto semântico no qual a frase aparece. As cenas escolhidas de Guaman Poma também são radicalmente diferentes e podem mudar o significado da frase para Gamarra e seu público. A variedade de batatas sobrepostas às imagens de Guaman Poma implica tanto em diferenças como também na convergência da vida e experiência peruanas. A doutrina católica da Trindade, a embriaguez de um impostor, a colheita de batatas, a tortura de um andino por um africano que obedece às instruções de um espanhol, e a alfabetização indígena de um líder comunitário em nome de um dos membros de sua comunidade são todos temas das imagens que Gamarra escolheu e sobre as quais foi colocado um tipo diferente de batata.

Figura 9 Figura 9 Legenda

Sandra Gamarra Heshiki, Cuando las papas queman, 2021.

Gamarra também incluiu em sua exposição imagens de cerâmicas pré-hispânicas de sítios Moche, que foram concedidas no período colonial aos espanhóis para minerar ouro onde os antigos haviam sido enterrados (Fig. 10). Estes são retratos-receptáculo que implicam a presença do povo pré-hispânico, assim como os retratos coloniais pintados implicam a presença dos diferentes povos e experiências do vice-reino do Peru.

Figura 10 Figura 10 Legenda

Sandra Gamarra Heshiki. Huacas.

Ela também incluiu cópias meticulosas que fez da única série de pinturas do Sistema de Castas do Peru, encomendada pelo vice-rei Manuel de Amat y Juyet para ser enviada ao Príncipe das Astúrias e futuro rei da Espanha, Carlos IV. A série de castas encomendada por Amat e o Retrato de Dom Francisco de Arobe e seus filhos por Sánches Gallque também foram exibidos juntos no Museu Arqueológicoda Espanha no início do século XX (Fig. 11) (USILLOS, 2012, p. 58).

Figura 11 Figura 11 Legenda

Sandra Gamarra. Castas.

Gamarra interage com a série Sistema de Castas copiando dos originais que ainda se encontram na coleção de Antropologia em Madri (Fig. 12).

Figura 12 Figura 12 Legenda

Sandra Gamara. Copiando a série Casta.

Sua obra é original, engajada e provocativa, e há muito mais elementos na exposição. O objetivo era desafiar as normas impostas pelas potências imperiais decaídas que se apegam a um passado idealizado de beneficência cristã. Esta posição apologética nunca desapareceu; pelo contrário, está ressurgindo em todo o mundo em oposição à ideia de descolonização da história e da cultura. Por exemplo, o historiador mexicano Fernando Cervantes, ativo no Reino Unido, publicou recentemente um bem vindo pedido de desculpas pela conquista e imposição do regime vice-real espanhol, concluindo com a passagem:

O resultado, para encurtar a história, foi de três séculos de estabilidade e prosperidade. Este, é claro, não era o tipo de prosperidade que atualmente acharíamos inteligível, acostumados que somos a insistir na necessidade de um crescimento econômico incessante. Mas o sistema vice-real, curiosamente, está muito mais próximo das muitas e cada vez mais persuasivas tentativas de se encontrar soluções para a crise ambiental, uma crise provocada precisamente por nossa obsessão pelo crescimento econômico contínuo. Deste ponto de vista, há muito a ser aprendido com o legado de um grupo de homens que, seja qual for sua miríade de fracassos e falhas, merecem ser julgados a partir de uma perspectiva mais compassiva do que aquela até então os condenou acriticamente e com base em caricaturas simplistas e até falseadas (CERVANTES, 2020, p. 356-357).

A defesa feita por Cervantes da conquista espanhola e dos benefícios do domínio espanhol, bem como acusar alguns de seus principais críticos, como Bartolomé de las Casas, de simplistas e mentirosos, nada tem de original, nem mesmo é um argumento novo. Basta lermos o título do capítulo XVI “El Cuzco. – Descripción de la ciudad. – Defensa del conquistador. – Desumano de los indios. – El trabajo de las minas. – Reseña de las conquistas mejicana y peruana. – Defensa del autor. – Opinión del visitador” no El Lazallio de ciegos (1773) de Concorlorcorvo para entender que Cervantes simplesmente reuniu mais fatos para uma defesa secular da conquista espanhola e a acusação de um uso acrítico de las Casas e outros defensores dos povos indígenas. Escreveu Concorlocorvo:

Os piedosos eclesiásticos nomeados pelo grande Carlos I, rei da Espanha, consideraram este tratamento desumano, e por isso escreveram à corte com penas sangrentas, cujo conteúdo os estrangeiros usaram para preencher suas histórias com zombarias contra os espanhóis e os primeiros conquistadores (CONCORLORCORVO, 1773, p. 268-269).

A defesa de Cervantes da Conquista e a subsequente regra contra qualquer crítica sobre a violência colonial e o racismo foi imposta pelo governo da cidade de Madri – “La Comunidad de Madrid” –, que imediatamente movimentou-se para censurar os termos “racismo” e “restituição” que apareceram na exposição de Sandra Gamarra, pois questionavam a ideia madrilenha do verdadeiro significado de “Hispanidad”. Não só a Consejería de Cultura ordenou a retirada desses termos do panfleto que seria distribuído ao público, mas a exposição foi posteriormente excluída do “festival Hispanidad 2021”. O que incomodou a consejera [ministra] da Cultura da Comunidade de Madri, Marta Rivera de la Cruz, foram precisamente as palavras “racismo” e “restituição”. A equipe da ministra exigiu que ambos a artista e o curador, Agustín Pérez Rubio, removessem os termos da vista pública, pois estariam perturbando a narrativa da Hispanidad. Controle do pensamento semelhante de um acerto de contas histórico perturbador está ocorrendo em todo o mundo. Por exemplo, a legislatura da Flórida introduziu um projeto de lei que legisla o seguinte: “Um indivíduo, em virtude de sua raça ou sexo, não é responsável por ações cometidas no passado por outros membros da mesma raça ou sexo. Um indivíduo não deve ser constrangido a sentir desconforto, culpa, angústia ou qualquer outra forma de sofrimento psicológico por causa de sua raça”.

A exposição foi aberta uma semana depois sem vestígio das palavras, mas a instalação não mudou. Um pouco depois, no entanto, o festival Hispanidad abriu sem incluir a exposição de Gamarra, Buen Gobierno. Gamarra disse: “Precisamos retirar essas duas palavras. Não queriam vê-las na apresentação da mostra e entendo que possam ser palavras duras, mas são dois termos em debate no mundo todo. Não houve qualquer outra intromissão na mostra, mas não ficamos surpresos com essa posição… Fico muito triste” (WEINER, 2021 b).

Ao mesmo tempo em que esta farsa do governo de direita se desenrolava em Madri, a presidente da cidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, que também é membro da extrema-direita espanhola, dirigiu seus comentários para as questões da descolonização, ou o que ela pitorescamente chamou de “revisionismo histórico”, na Sociedade Hispânica da América, em Nova Iorque, em 27 de setembro de 2021. A foto oficial de Isabel Díaz Ayuso nos permite ver o rosto sorridente da ideologia fascista contemporânea (Fig. 13).

Não emprego o termo ideologia fascista levianamente. A Espanha viveu o governo fascista mais duradouro da história, sobrevivendo até os anos 70, e voltarei abaixo à sua política sob Franco e a de Madri hoje, pois a retórica da Hispanidad de então e agora é idêntica.

A Sociedade Hispânica da América é um museu bastante obscuro de Nova Iorque – um que é profundamente apreciado, mas raramente visitado. Lá, entre outras riquezas, estão expostos os retratos da elite espanhola de Diego Velásquez e Francisco Goya, juntamente com retratos norte-americanos de pintores como o porto-riquenho Campeche; e todos eles são orgulhosamente exibidos juntos em sua página web (Fig. 14). Este tipo de inclusão não tem espaço na Espanha, como veremos, e não faz parte da noção fascista da política cultural da Hispanidad decretada no início dos anos 40 por Franco.

Figura 14 Figura 14 Legenda

Página da Internet da sociedade hispânica com seus retratos pintados por Velázquez, Goya e Campeche, 2021.

Na Sociedade Hispânica, a herança hispânica entende Hispanidad como uma noção mais ampla de uma herança diversa, sendo celebrada no museu e representada em sua página web como Mês da Herança (Fig. 15), no mesmo mês em que Isabel Díaz Ayuso proferiu sua diatribe fascista.

Figura 15 Figura 15 Legenda

Página da Internet da Sociedade Hispânica anunciando a celebração da Sociedade Hispânica, 2021.

E enquanto o público da cidade de Nova Iorque não pôde ir ao museu, pois estava fechado para renovação, este abriu suas portas para Díaz Ayuso, recebendo-a em sua Galeria Visão da Espanha, de Joaquín Sorolla (Fig. 16). Lá, ela se colocou à disposição para uma entrevista com os editores de opinião do Wall Street Journal, grupo alinhado à extrema direita da política e cultura norte-americana.

Figura 16 Figura 16 Legenda

Díaz Ayuso, em 27 de setembro, sentada abaixo de uma das pinturas da série Visão da Espanha de Joaquin Sorolla na Sociedade Hispânica, encomendada por Archer Huntington 1913-1919.

Organizada como parte de uma viagem de uma semana pelos EUA por Díaz Ayuso, com paradas em Nova Iorque e Washington (DC), a entrevista foi seguida de um discurso improvisado proferido a cerca de uma dúzia de representantes da Sociedade Hispânica, de acordo com o jornal espanhol El País (SÁNCHEZ-VALLEJO, 2021). Díaz Ayuso falou favoravelmente sobre as relações EUA-Espanha, mas então se lançou a uma diatribe contra ideologias “revisionistas, perigosas e perniciosas” que acredita estarem levando a uma “regressão cultural”. Clamando por uma “defesa da história real”, ela criticou os movimentos anticoloniais e indígenas que desafiam as narrativas heroicas da conquista espanhola como uma “perigosa corrente do comunismo através do indigenismo que constitui um ataque contra a Espanha” (SÁNCHEZ-VALLEJO, 2021).

Quando a jornalista do El País María Antonia Sanchéz-Vallejo pediu sua opinião sobre a decisão do Departamento de Educação de Nova Iorque de substituir o Dia de Colombo pelo Dia dos Povos Indígenas, Díaz Ayuso disse que a mudança foi “fatal”. Na quarta-feira seguinte, Díaz Ayuso fez discurso semelhante na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Washington, DC:

Por que estamos revisando a história da Espanha na América e questionando a hispanicidade 500 anos depois, quando tudo o que fez desde suas origens foi trazer universidades, a civilização e o Ocidente para o continente americano, valores que sustentam democracias prósperas até os dias de hoje? (LISCIA, 2021)

A visita de Díaz Ayuso ocorreu no meio do Mês da Herança Hispânica em Madri, celebrado de 15 de setembro a 15 de outubro, como já vimos. Isto está em consonância com o conceito conservador de Hispanidad do Conselho e que censurou as palavras de Sandra Gamarra. E para não pensarmos que as imagens de Guaman Poma são o trabalho aberrante de um andino irritado, e que a referência e o uso feito por Gamarra são uma ficção diante da grande e benéfica civilização que a Hispanidad concedeu aos povos da América, basta olharmos para algumas outras imagens que retratam as visões e experiências do povo que recebeu essa missão civilizadora. A grande maioria vem do México colonial/vice-real devido as tradições pictóricas continuadas como um meio de registro. No vice-reino do Peru, encontram-se evidências na forma escrita em julgamentos e outros testemunhos. As duas primeiras imagens (Fig. 17) são de um manuscrito intitulado Descripcion de la ciudad y Provincia de Tlaxcala de la Nueva España, dado a Felipe II em Madri nos anos 1570 pela comunidade que o produziu. Embora aliados cruciais de Hernán Cortés e seu exército, os Tlaxcalans foram submetidos a perseguição religiosa, como podemos ver em dois desenhos a tinta dos líderes da comunidade Tlaxcala que foram enforcados ou queimados na fogueira por praticarem sua própria religião pré-hispânica.

Figura 17 Figura 17 Legenda

Diego Muñoz Camargo. Descrição da cidade e província de Tlaxcala Justiça adminstered to Aposates in Tlaxcala, Descrição da cidade e província de Tlaxcala Sp Coll MS Hunter 242 (U.3.15) Biblioteca da Universidade de Glasgow.

A segunda imagem (Fig. 18) retrata uma execução ocorrida em Coyoacán, residência de Hernán Cortés, o qual é retratado acima de um mastim inglês. Este é solto para lacerar o pescoço de um líder religioso indígena de Cholula, uma das cidades mais sagradas do México Antigo. Seis outros líderes das comunidades vizinhas de Coyoacán também aparecem presos e acorrentados, aguardando sua execução pelo lobo-de-caça.A imagem registra, na língua pictórica da Mesoamérica, uma “…execução que inflige o máximo de terror, tanto a suas vítimas quanto às testemunhas”.

Figura 18 Figura 18 Legenda

Anônimo. Manuscrito del aperreamiento. Bibliothèque Nationale de France.

Esta imagem mexicana fundamenta a observação de Bartolomé de las Casas sobre estes “cachorros selvagens que matariam um nativo assim que o vissem, rasgando-o em pedaços e devorando sua carne como se ele fosse um porco. Estes cães causaram estragos entre os nativos e foram responsáveis por muita carnificina”. As ilustrações de Theodore de Bry de uma edição posterior da Brevissima Relación, de las Casas, assim como o texto ilustrado de Girolamo Benzoni, Historia del Mondo Nuovo (1565), sobre a tortura de sodomitas de Balboa no Panamá, que foi reimpresso e ilustrado no Americae Pars Quarta de Bry, são imagens europeias do mesmo assunto (Fig. 19). Eles retratam a incitação de cães contra os povos nativos, desenhados como figuras clássicas do final da Renascença. Embora as composições e o estilo das imagens mexicanas e europeias sejam radicalmente diferentes, elas são complementares no horror do ato, mas feitas por razões radicalmente diferentes.

Figura 19 Figura 19 Legenda

Theodore de Bry, Balboa tortura sodomitas no Panamá Americae Pars, quarta gravura em cobre, 1592.

Em um outro códice mexicano vemos a tortura e a queima de mexicanos por não entregarem o ouro que foi prometido aos senhores espanhóis. De fato, o imaginário colonial produzido por artistas indígenas para si e/ou para casos legais está repleto de imagens de tortura e massacre. Estas são imagens novas. Há imagens de sacrifício humano e batalhas sangrentas, como nos murais Maia em Bonampak ou esculturas em baixo relevo Moche em Huaca de la Luna, mas estas imagens coloniais de Guaman Poma no Peru e os pintores de manuscritos mexicanos abordam uma violência diferente e são novas. O importante, no entanto, é perceber que as imagens violentas pré-colombianas, bem como as imagens coloniais que retratam o sacrifício humano e a guerra, não são censuradas nem criticadas, mas usadas por estudiosos e políticos contemporâneos para avançar sua reivindicação da missão civilizadora cristã iniciada por Hernán Cortés e outros espanhóis e que essas novas imagens coloniais de tortura e assassinato espanhóis são meramente artifício da difamadora “Lenda Negra” (CERVANTES, 2020, p. 151).

Figura 20 Figura 20 Legenda

Anônimo. Codex Tepetlaoztoc [Codex Kingsborough], A.D, 1554. México, Tepetlaoztoc. Nahua. Papel, pigmento. British Museum, AM2006, DRG. 13964.

Estas imagens e as de artistas como Sandra Gamarra não são uma lenda negra renovada ou nova, como afirma Díaz Ayuso. Elas fazem parte da história do que realmente aconteceu com aqueles a quem aconteceu. Contudo, do ponto de vista espanhol, este tipo de disciplina foi a base necessária sobre a qual os direitos humanos surgiram na América, como recentemente reivindicado pelo rei Felipe IV em Porto Rico: “A Espanha trouxe consigo sua língua, sua cultura, seu credo e com tudo isso trouxe valores e princípios como os fundamentos do direito internacional e o conceito de direitos humanos universais” (ATALAYAR. s.d.).

Claro, há a lenda negra espanhola, mas isso resulta da disputa no norte da Europa, dos antagonismos religiosos e políticos e, mais especificamente, da violência que ocorreu na libertação dos Países Baixos. Esta violência europeia foi diretamente paralela ao que já havia ocorrido na América, como manifestado na publicação de 1620 sobre a tirania dos espanhóis na América, baseado em uma republicação parcial da Brevissima Relación de las Casas (todos os apologistas da besta negra “Hispanidad”). Foi usado para caracterizar a tirania cruel da presença espanhola na América como sendo o precursor do que aconteceria nos Países Baixos, como descrito na versão abreviada do Oorsprong en voortgang der Nederlandtscher beroerten (Origem e progresso dos confrontos nos Países Baixos) de Johannes Gysius (Fig 21).

Figura 21 Figura 21 Legenda

Frontispícios da publicação conjunta Le miroir de la tyrannie espagnole e Le Miroir de la Cruelle & horríveis Tyrannie Espangole, 1620. Amsterdam: Ian Evertss. Cloppenburg.

O reconhecimento mais recente das atrocidades espanholas na América é entendido pelo racismo extremo da direita em Madri como tendo um paralelo diferente: “O indigenismo é o novo comunismo”, afirmou Díaz Ayuso. O comunismo é aqui o grito de mobilização política dos remanescentes do estado opressivo de Franco ao qual querem retornar. A equação entre indigenismo e comunismo é a ameaça de encarceramento estatal, tortura e execução, como perpetrado primeiro na América e depois na Espanha sob o regime de Franco. Basta pensarmos no Valle de los Caidos construído pelo trabalho forçados de condenados, muitos dos quais eram prisioneiros políticos de esquerda/comunistas. Muitos morreram lá, assim como tantos nativos morreram no trabalho forçado de Muso, Potosí, e em outros lugares quando as veias da América foram abertas literalmente, sangrando ouro, prata e sangue em nome do deus cristão da Espanha católica.

Assim como Donald Trump, a quem admira, Díaz Ayuso não é das mentes mais brilhantes. Embora careça de qualquer compreensão sobre as questões históricas e sociais, ela avidamente se lança à comentários discriminatórios, tais como sua sugestão de que os casos de Covid-19 na Espanha estavam sendo impulsionados pelo “modo de vida” da população imigrante do país. E há poucos dias, Díaz Ayuso repudiou publicamente as desculpas do Papa Francisco pelo papel da Igreja na conquista espanhola. O texto proferido pelo Papa em Santa Cruz, Bolívia, em 2015 é a antítese da extrema defesa da Igreja e da Conquista como feita por Fernando Cervantes e muitos outros na Espanha. O Papa leu esta encíclica:

O colonialismo, novo e antigo, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra barata, gera violência, miséria, migrações forçadas e todos os males que o seguem… precisamente porque, ao colocar a periferia a serviço do centro, nega a ela o direito ao desenvolvimento integral. E isso, meus irmãos, é iniquidade, e a iniquidade gera uma violência que nenhum recurso policial, militar ou de inteligência será capaz de deter.

Portanto, digamos NÃO às antigas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre os povos e as culturas. Felizes aqueles que trabalham pela paz.

E aqui eu gostaria de me deter sobre um ponto importante. Porque alguns podem dizer, com razão, que “quando o Papa fala do colonialismo, ele se esquece de certas ações da Igreja”. Eu lhes digo, com pesar: muitos pecados graves foram cometidos contra os povos originais da América em nome de Deus. Meus predecessores reconheceram-no, o CELAM, Conselho Episcopal Latino-Americano, disse-o, e eu também gostaria de dizê-lo. Como São João Paulo II, peço que a Igreja, e cito-o, “se prostre diante de Deus e implore perdão pelos pecados passados e presentes de seus filhos” (6). E quero dizer-lhes, quero ser muito claro, como foi São João Paulo II: peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos originais durante a chamada conquista da América.

A questão aqui é que a Hispanidad, tal como está sendo celebrada nas exposições em Madri, pretende celebrar um império longínquo e um conjunto colonial de relações que busca manter o domínio sobre vozes alternativas quanto ao que isso significa, incluindo a de seu antecessor, o Papa Alexandre VI, cuja Inter Catedra (1493) deu à Espanha o domínio sobre a América.Mas o que isso significa para o quadro com o qual comecei este ensaio?

Volto agora à exposição temporária de Dom Francisco de Arobe e seus filhos através de um rápido olhar sobre a história do Prado e seu caso muito claro de limpeza estética étnica. Para entender o que isto significa basta lermos a missão subjacente do Prado como articulada na declaração oficial comemorativa de seu 200º aniversário: “Com uma notável coleção decorrente de séculos de patrocínio artístico pela Coroa espanhola e aberto ao público em 1819 pelo rei Fernando VII, aqui os visitantes podem não só admirar a maior coleção mundial de pinturas espanholas, mas também formidáveis coleções de pinturas flamengas e italianas, bem como a mais completa coleção de obras de artistas como Bosch, Ticiano, Rubens, Velázquez, Ribera, Murillo, Goya e El Greco. A coleção de pintura espanhola se estende do século XII ao século XIX com obras maiores de artistas como El Greco, Murillo, Zurbarán, Ribera, Sorolla e, mais notavelmente, Goya e Velázquez, sendo os dois últimos particularmente brilhantes. A incomparável coleção de obras de Goya é composta por mais de 140 peças; além disso, entre outras pinturas famosas da coleção do Museu estão A família de Carlos IV, A maja nua, A maja vestida, O Segundo de Maio de 1808, and O Terceiro de Maio de 1808, bem como sua famosa coleção de Pinturas Negras.

De fato, do majestoso Retrato equestre de Carlos V em Mühlberg, de Ticiano, ao A Família de Carlos IV, de Goya, estão pendurados no Prado como uma coleção real da nação espanhola (Figura 21). O que não se aprende é que originalmente os retratos de Ticiano de Carlos V em Mühlberg eFelipe II oferecendo Dom Fernando à Vitória foram exibidos junto dos retratos dos reis incas pintados em Cuzco por artistas andinos.

Figura 22 a Figura 22 a Legenda

Retrato de Carlos V em Mulberg, 1548. óleo sobre tela, Museu do Prado.

Figura 22 b Figura 22 b Legenda

Francisco Goya. Retrato de Carlos IV a Família Real, 1800, óleo sobre tela. Museu do Prado.

O que não está em exposição são os quadros americanos que também foram transferidos com as pinturas de Ticiano, Velázquez, Rubens, Goya e muitos outros para o Prado. Um deles é o Retrato de Dom Francisco de Arobe e seus filhos (Fig. 1). Ele encontra-se listado no inventário do Prado como pertencente ao museu, e basta olharmos os números em baixo, à direita e à esquerda, para vermos os números do inventário do palácio real do século XVIII. Mas este retrato não está em exposição permanente ou mesmo nos depósitos do museu. Não divide espaço com as pinturas de Velázquez ou Goya ou Ticiano. Agora está no Museu da América, um museu raramente visitado, criado em 1944 por Franco para reforçar a ideia da Espanha e seu domínio no exterior. Todas as pinturas americanas que foram mantidas na coleção real e dadas em 1819 foram expurgadas das pinturas europeias, agora tão orgulhosamente mantidas no Prado para celebrar o europeísmo da Espanha. Em vez disso, o retrato de Dom Francisco foi transferido como empréstimo para o Museu Arqueológico de Espanha. Lá permaneceu e foi exibido até 1941, quando foi enviado para o recém-criado Museu da América, que só abriu suas portas em 1964. A intenção de transferir as pinturas americanas e, assim como a maioria delas, outros objetos da América no Museu Arqueológico de Espanha para o Museu da América foi promover uma “Hispanidad” baseada na separação e superioridade europeia. As raízes de sua formação foram, como declarado por José Ibáñez Martín, Ministro da Educação Nacional: “a presença da América na nação espanhola torna-se mais evidente, fortalecendo os laços de união que sempre existiram, mas que hoje demonstram uma compreensão e fraternidade entre as nações que compõem a Hispanidad”. O ministro deixou claro que a intenção era combater a “lenda negra” e apontar “o trabalho da Espanha na América”. Ali a Espanha “incentivou a mineração e a indústria, criou cidades e em inúmeras outras coisas deixou a marca de sua espiritualidade. Um exemplo expressivo e magnífico do trabalho espanhol na América é a maravilhosa arquitetura colonial, um símbolo em pedra de duas raças que se unem”.

Como escreveu Georg Krizmanics recentemente, a fundação do Museu da América foi originalmente apresentada em 1941 como uma instituição anti-EUA, e foi usada para promover termos de direita e suas ideologias, como fascismo e nazismo, e seu conceito de “Hispanidad”. É importante lembrar que o Valle de los Caidos foi instituído ao mesmo tempo, e continua a ser um local venerado pela extrema direita. Krizmanics escreve ainda que “a política externa de Franco foi formulada em torno da ideia de Hispanidad e esta ideologia estatal tinha dimensões tais” que era “proibido o livre uso da palavra ‘hispanidad’, não podendo ser usada industrialmente, como marca registrada ou como título de estabelecimento” (KRIZMANICS, 2018, p. 39-61). Seu significado incluía um conceito duplo que se referia ao “grupo de nações que compõem o mundo hispânico”, ao mesmo tempo em que “expressava seu espírito peculiar e compreensão da vida, sua tradição histórica comum e seu destino universal superior” (KRIZMANICS, 2018, p. 39-61).

O Ministério das Relações Exteriores foi encarregado de supervisionar o museu durante os primeiros anos da ditadura franquista; o responsável por “pôr em prática a missão […] de assegurar a continuidade e a eficácia da ideia e das obras do gênio espanhol” foi “o Conselho da Hispanidad”. Os líderes do Conselho, ao tomar posse, juraram “por Deus e Santa Maria, e pelos Evangelhos que toco com minha mão, que cumprirei com vigilante cuidado a missão […] de trabalhar para a propagação da Hispanidad”, manifestando assim “o espírito peculiar e a compreensão da vida” dessa ideologia.

As palavras do ministro de Franco são hoje encarnadas pelo Conselho em Madri e por Díaz Ayuso em particular. Agora entendemos também porque o trabalho de Sandra Gamarra foi censurado e excluído das exposições que marcaram o mês da Hispanidad em Madri. Intervenções críticas são inaceitáveis. O que temos agora no Prado, como orgulhosamente anunciado, é uma exposição na qual um detalhe do retrato de Dom Francisco e seus filhos figura na entrada da exposição, que em inglês se intitula “Return Journey: Ibero-american art in Spain”. Em espanhol, o título Tornaviaje. Arte iberoamericano en España [Viagem de regresso. Arte ibero-americana na Espanha] tem um tom racista peculiar.A frase Tornaviaje tem uma consonância, possivelmente não intencional, com uma das categorias raciais retratadas nas pinturas do Sistema de Castas do século XVIII, denominada torna-atrás (Fig. 23). Nestas pinturas, o aspecto oculto da mistura racial é revelado na progênie de uma albina e de um espanhol que é mais escuro que qualquer um dos pais, como é retratado na série criada por Miguel Cabrera intitulada “De um pai espanhol e de mãe albina um torna-atrás”. Pinturas do sistema de castas, incluindo o quadro de Cabrera, conectam albinismo com ancestralidade negra (KATZEW, 2015). Em outras palavras e imagens, uma prole que tem ascendência africana nunca será europeia ou branca, nunca será espanhola – não há retorno. O albino, em princípio, esconde aquilo que se fará presente na tez de sua prole. Francisco Clapera (Fig. 24), um dos poucos artistas nascidos na Espanha ativo no México, tem uma de seus dezesseis quadros intitulado “De uma torna-atrás e Índio, Lobo”. A mãe, designada como torna-atrás, é descendente de africanos e seu marido, indígena, tem um filho definido como “lobo”. Nada disso faz sentido, mas é uma pictorialização das categorias raciais que foram impostas no regime vice-real e que Sandra Gamarra explorou em sua exposição, pois são categorias raciais que ainda operam como fator de racismo no Peru, México, Espanha, Estados Unidos, bem como em outras partes do mundo.

Figura 23 Figura 23 Legenda

Miguel Cabrera. De español y albino, torna atrás, 1763, óleo sobre tela, coleção particular, México.

Figura 24 Figura 24 Legenda

Francisco Clapera (nascido na Espanha, ativo no México, 1746-1810). De Torna-atras, e Indio, Lobo, México, c.1775, óleo sobre tela, Denver Art Museum, doação de Frederick e Jan Mayer, 2011. 428.8.

Para os curadores da exposição Tornaviaje. Arte iberoamericano en España no Prado, pinturas como o retrato de Dom Francisco e seus filhos são obras que “perderam a história de sua estória”, que agora está sendo retomada. No entanto, o título da pintura no anúncio online em inglês da exposição (Fig. 25) a identifica como Os Três Mulatos de Esmeraldas. Ou seja, os sujeitos da pintura, Dom Francisco e seus filhos, ainda não têm “a história de sua estória”.

Figura 25 Figura 25 Legenda

Anúncio do Prado na internet em inglês da exposição Tornaviaje – Arte iberoamericana na Espanha.

Devemos nos perguntar exatamente que história será recuperada se não podemos falar sobre o porquê de tais histórias não só serem perdidas, mas expurgadas de uma “Hispanidad” purificada, como querem Díaz Ayuso, o Ditador Franco, e a “Comunidade de Madri”, por temer que “o indigenismo é o novo comunismo”. (HUFFPOST, 2021).Equacionar “indigenismo” e “comunismo” na Espanha é reunir os conservadores de direita para defender a igreja e o país e colonizar a história em sua própria imagem heroica. Descolonizar a história é libertá-la para uma avaliação aberta e honesta, como tentou Sandra Gamarra em Buen Gobierno. É dizer os nomes das pessoas representadas, bem como daqueles que não estão representados. É mostrar seus rostos e corpos e o que foi feito com eles. Essa é a tarefa de artistas, curadores e pesquisadores. Hoje, entretanto, existe uma oposição real e poderosa que irá censurar e fechar o pensamento crítico, como está sendo feito na Espanha e em outros lugares, enquanto escrevo. E não imagino que o retrato americano de Dom Francisco e seus filhos, pintado por Andrés Sánches Gallque, seja permanentemente reunido com aqueles retratos europeus de Ticiano, Velásquez, Rubens, Goya e outros pintores europeus tão orgulhosamente em exposição permanente no Prado. Ou seja, não existe uma verdadeira “viagem de regresso”, e certamente não nos termos estéticos do Buen Gobierno de Sandra Gamarra Heshiki.

Referências

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Figura 1 Figura 1 Legenda

Andrés Sánches Gallque. Retrato de Dom Francisco e seus filhos Dom Pedro e Domingo, óleo sobre tela, Museu do Prado emprestado ao Museu das Américas, Madri.

Figura 2 Figura 2 Legenda

Andrés Sánches Gallque. Detalhe do Retrato de Dom Francisco, Dom Pedro e Dom Domingo, foto ampliada na entrada da exposição do Prado Torna Viaje, 2021, Foto: Alejandro de la Fuente.

Figura 3 Figura 3 Legenda

Anúncio de Abertura do Buen Gobierno por Sandra Gamarra, 16 de setembro de 2021.

Figura 4 a & b Figura 4 a & b Legenda

Guaman Poma de Ayala. Frontispício com os retratos do Papa Paulo V, Rei Felipe II e Príncipe Felipe Guaman Poma de Ayala, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 1.

Guaman Poma de Ayala. Pergunte a Vossa Majestade, o autor, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 971 (965).

Figura 5 a Figura 5 a Legenda

Guaman Poma de Ayala. Execução de Atahualpa em Cajamaraca por Pizarro e outros, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 390 (391).

Figura 5 b Figura 5 b Legenda

Guaman Poma de Ayala. Execução de Manco Capaca pelo vice-rei Toledo em Cajamaraca em Cuzco, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 453 (385).

Figura 6 Figura 6 Legenda

Guaman Poma de Ayala. Corregidor mantem Don Cristobal, curaca e um prisioneiro, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 494 (385).

Figura 7 a Figura 7 a Legenda

Gaman Poma de Ayala. Atahualpa em Cajamaraca com Pizarro e tradutor Felipe, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 384 (385).

Figura 7 b Figura 7 b Legenda

Gaman Poma de Ayala. Atahualpa em Cajamaraca com Pizarro e tradutor Felipe, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 384 (385).

Figura 7 c Figura 7 c Legenda

Gaman Poma de Ayala. Atahualpa em Cajamaraca com Pizarro e tradutor Felipe, Nueva Coronica y Buen Gobierno, 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 384 (385).

Figura 8 a, b & c Figura 8 a, b & c Legenda

Guaman Poma de Ayala “Um paroquiano nativo é espancado até a morte por defender mulheres e donzelas andinas solteiras do padre lascivo”, Nueva Coronica y Buen Gobierno 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 594 (608) ); “O administrador real ordena que um escravo africano açoite um magistrado indiano por coletar um tributo que falta dois ovos”, Nueva Coronica y Buen Gobierno 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 796 (810) ; “Como os espanhóis abusam de seus escravos africanos” Nueva Coronica y Buen Gobierno 1615, tinta sobre papel, cortesia da Biblioteca Real Dinamarquesa GKS 2232 4º, página 925 (939).

Figura 9 Figura 9 Legenda

Sandra Gamarra Heshiki, Cuando las papas queman, 2021.

Figura 10 Figura 10 Legenda

Sandra Gamarra Heshiki. Huacas.

Figura 11 Figura 11 Legenda

Sandra Gamarra. Castas.

Figura 12 Figura 12 Legenda

Sandra Gamara. Copiando a série Casta.

Figura 14 Figura 14 Legenda

Página da Internet da sociedade hispânica com seus retratos pintados por Velázquez, Goya e Campeche, 2021.

Figura 15 Figura 15 Legenda

Página da Internet da Sociedade Hispânica anunciando a celebração da Sociedade Hispânica, 2021.

Figura 16 Figura 16 Legenda

Díaz Ayuso, em 27 de setembro, sentada abaixo de uma das pinturas da série Visão da Espanha de Joaquin Sorolla na Sociedade Hispânica, encomendada por Archer Huntington 1913-1919.

Figura 17 Figura 17 Legenda

Diego Muñoz Camargo. Descrição da cidade e província de Tlaxcala Justiça adminstered to Aposates in Tlaxcala, Descrição da cidade e província de Tlaxcala Sp Coll MS Hunter 242 (U.3.15) Biblioteca da Universidade de Glasgow.

Figura 18 Figura 18 Legenda

Anônimo. Manuscrito del aperreamiento. Bibliothèque Nationale de France.

Figura 19 Figura 19 Legenda

Theodore de Bry, Balboa tortura sodomitas no Panamá Americae Pars, quarta gravura em cobre, 1592.

Figura 20 Figura 20 Legenda

Anônimo. Codex Tepetlaoztoc [Codex Kingsborough], A.D, 1554. México, Tepetlaoztoc. Nahua. Papel, pigmento. British Museum, AM2006, DRG. 13964.

Figura 21 Figura 21 Legenda

Frontispícios da publicação conjunta Le miroir de la tyrannie espagnole e Le Miroir de la Cruelle & horríveis Tyrannie Espangole, 1620. Amsterdam: Ian Evertss. Cloppenburg.

Figura 22 a Figura 22 a Legenda

Retrato de Carlos V em Mulberg, 1548. óleo sobre tela, Museu do Prado.

Figura 22 b Figura 22 b Legenda

Francisco Goya. Retrato de Carlos IV a Família Real, 1800, óleo sobre tela. Museu do Prado.

Figura 23 Figura 23 Legenda

Miguel Cabrera. De español y albino, torna atrás, 1763, óleo sobre tela, coleção particular, México.

Figura 24 Figura 24 Legenda

Francisco Clapera (nascido na Espanha, ativo no México, 1746-1810). De Torna-atras, e Indio, Lobo, México, c.1775, óleo sobre tela, Denver Art Museum, doação de Frederick e Jan Mayer, 2011. 428.8.

Figura 25 Figura 25 Legenda

Anúncio do Prado na internet em inglês da exposição Tornaviaje – Arte iberoamericana na Espanha.

  • 1Agradeço a Ana Maria Reyes por seus comentários perspicazes que muito contribuíram para este ensaio. Todas as falhas, porém, não estão nas estrelas, mas em mim mesmo.
  • 2Ver, por exemplo, USILLO, 2012, p. 7-64
  • 3O projeto de lei intitula-se Individual Freedom [Liberdade Individual] e o Senador Republicano Manny Diaz é seu patrocinador.
  • 4Não disponível
  • 5Para uma discussão desta imagem do manuscrito, ver DIEL, 2011, p. 585-611
  • 6“Yo vide todas las cosas arriba dichas y muchas otras infinitas, y porque toda la gente que huir podía se encerraba en los montes y subía a las sierras huyendo de hombres tan desumanos, tan sin piedad y tan feroces bestias, extirpadores y capitales enemigos del linaje humano, enseña-ron y amaestraron lebreles, perros bravísimos que en viendo un indio lo hacían pedazos en un credo, y mejor arremetían a él y lo comían que si fuera un puerco. Estos perros hicieron grandes estragos y carnecerías. Y porque algunas veces, raras y pocas, mataban los indios algunos cristianos con justa razón y santa justicia, hicieron ley entre sí que por un cristiano que los indios matasen había los cristianos de matar cien indios” (BARTOLOMÉ DE LAS CASAS 1552, p. 18).
  • 7Para uma articulação precisa da conquista católica, a evangelização em troca de ouro e prata ver ANÓNIMO in PÉREZ, 1995, p. 158-160.
  • 8A presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, culpou a população imigrante pelo alto índice de infecções por coronavírus corona na região. ‘Os contágios estão ocorrendo principalmente nos distritos sul (...) Eles estão ocorrendo, entre outras coisas, devido ao modo de vida dos nossos imigrantes em Madri e devido a densidade populacional nesses distritos e municípios. É um modo de vida em Madri’, disse ela durante seu discurso na Assembleia de Madri”. EL PERÓDICO. 2020.
  • 9Toni Cantó, ator e político de Valência, e diretor do escritório espanhol em Madri, um novo escritório criado por Isabel Díaz Ayuso, afirmou: “acredito que quando a Espanha chegou a esse continente foi para libertá-lo”, argumentou o diretor do escritório espanhol. “Eles não a conquistaram, eles a libertaram, senão é impossível entender como algumas centenas conseguiram libertar tantos milhares de pessoas daquele continente que estavam completamente subjugados por um poder brutal, selvagem e ainda canibalista”, EL PLURAL sd.
  • 10https://www.afpradomuseum.org/history. Acesso: 12 de novembro de 2021
  • 11A intencionalidade do papel do Prado na promoção da centralidade da Espanha na história e na história da arte europeia é explicada pelo atual diretor Miguel Falomir: “O Prado e suas coleções refletem a história da Espanha, cujo papel decrescente no cenário internacional no século XIX reduziu seu apelo a artistas estrangeiros. Artistas espanhóis agora estudam e trabalham no exterior: em Roma, no início do século, e, a partir de meados do século, em Paris, a nova capital mundial da arte. O fervor nacionalista que caracterizou todo o século, refletido por artistas espanhóis em telas celebrando os povos, paisagens e história do país, e o Desvario dos bens eclesiásticos que, ao entrarem no Prado a partir do Museo de la Trinidad, enriqueceram significativamente os bens originais da Coleção Real, estão todos refletidos nas coleções do Museu, que terminam em 1881, ano do nascimento de Picasso. Além disso, embora principalmente orientadas para a pintura, estas coleções também incluem excelentes exemplos de escultura, artes decorativas e obras em papel, desde a antiguidade até o século XIX. Desde sua fundação em 1819, o Museu do Prado tem desempenhado um papel fundamental na evolução da história da arte. Foi crucial para a redescoberta dos Primitivos espanhóis e figuras emblemáticas como El Greco, e para o posicionamento de Velázquez como a figura maior do Parnaso Espanhol, enquanto suas galerias inspiraram alguns dos pintores vanguardistas dos últimos 150 anos. Nos orgulhamos de mostrar aos visitantes este grande patrimônio artístico”. Disponível em: https://www.museodelprado.es/en/the-collection. Acesso: 17 de fevereiro de 2022.
  • 12Para uma história completa dos inventários, colocação e movimentação da pintura de Galque ver (USILLOS, 2012, p. 49-58).
  • 13(MARTÍN, July, 14, 1944): 11 como citado em (KRIZMANICS, 2018, p. 41).
  • 14“O objetivo era impor uma certa ideia de Espanha a fim de se tornar um intermediário entre a Europa fascista e a América Latina, embora muitas vezes com objetivos excessivamente ambiciosos e irrealistas” (KRIZMANICS, 2018, p. 39-61) (ver nota 26).
  • 15Ordem de 7 de abril aprovando o regulamento que rege o funcionamento do Conselho da Hispanidad, BOE, n. 99, p. 2395, como citado em (KRIZMANICS, 2018, p. 39-61)
  • 16https://www.museodelprado.es/en/whats-on/exhibition/return-journey-art-of-the-americas-in-spain/5c0fe35b-44d3-56fb-a4ba-c192aab9266c (Aceso em: 05/06/2022)
  • 17No primeiro dia de seu mandato como governador da Virgínia, Glenn Youkin anunciou três ordens executivas, a primeira das quais proíbe o ensino de “conceitos inerentemente polêmicos”, entre os quais está a teoria racial crítica, como citado em (THE WASHINGTON POST SECTION B, 2022, p. 1). Younkin, membro da ala republicana de extrema-direita e partidário de Donald Trump, representa o desejo de suprimir as discussões sobre desigualdade racial, disparidade econômica e exclusão, assim como faz Fernando Cervantes.
  • 18Em 2008, apresentei uma palestra intitulada “Os Três Cavaleiros de Esmeraldas:um retrato para o Rei”, no Colóquio O Retrato de Corte do Renascimento realizado no Museu Nacional do Prado, em conexão com exposição de mesmo nome. Quando indaguei por que o retrato de Galque não fora incluído na exposição, o curador respondeu que possuía qualidade inferior aos retratos europeus. Este senso europeu de uma única definição de qualidade como determinante no Prado tem assombrado a compreensão e avaliação da pintura na América. Esta atitude desvalorizante está claramente expressa no Testementaría de Carlos II Alcázar Real (1701-1703): “Tránsittos Angosttos sobre la Casa del Thesoro 820 Yttem Vn lienzo de dos Varas de largo y Vara y quartta de alto sin marco de tres negros con sus lanzillas en las manos como soldados y sus Cuellos, no se tasaron por no tener valor”(Ênfase acrescentada), como citado em (USILLOS, 2018. p. 50).